Grife de Airon Martin apresentou a nova coleção em um desfile que fortaleceu sua identidade e revelou toda sua maturidade e segurança
Se as icônicas rampas do Pavilhão da Bienal de São Paulo materializam o talento de Oscar Niemeyer, na última terça-feira (23), um novo artista deixou sua marca no cenário: Airon Martin, diretor criativo da Misci, apresentou sua nova coleção, “Tenda Tripa”, para uma plateia com nomes de peso.
A etiqueta brasileira tornou-se, nos últimos anos, uma das mais amadas por fashionistas e celebridades, e a fila A era um reflexo do fenômeno da marca. Referências fashion, como Glória Kalil, reuniram-se com personalidades da internet — ligadas, ou não, ao nicho —, como Gabb, Malu Borges, Gkay e Carlinhos Maia. A alguns passos da família de Airon (para identificar sua avó, era só encontrar a mulher mais orgulhosa do dia, observando tudo com admiração), estavam Emicida e João Guilherme, marcando o ritmo da música com os pés.
A trilha sonora, aliás, foi inusitada. Conhecida por receber os clientes nas lojas com sons do norte e nordeste, a Misci escolheu envolver os convidados do desfile com o funk paulista, reforçando sua missão de reunir, no universo da marca, os vários “Brasis”.
Enquanto a música rolava, a arte acontecia. Dessa vez, Airon escolheu homenagear o interior do país e apresentou símbolos de regiões afastadas dos grandes centros urbanos. A coleção mergulhou nas tripas do Brasil (daí o nome que a batiza) e apresentou uma narrativa nova para quem vive na bolha São Paulo-Rio-Trancoso.
A coleção
É impossível falar do interior sem resgatar elementos da natureza, e a manhã quente em que a coleção foi apresentada combinou com o clima dos looks: a paleta de cores lembra um dia ensolarado na fazenda. O azul do céu, o verde das plantas e o marrom e laranja da terra levavam o público às pequenas cidades do Brasil — e, por que não, à Sinop de Airon Martin?
A visita ao interior continuou com as referências equestres. Enquanto saias lembravam selas de montaria, tiras e cintos por todo o corpo reproduziam os equipamentos usados para montar cavalos. Nossa própria versão da moda cowboy.
Os elementos de cavalaria também apareceram nas joias cocriadas por Carlos Penna, um antigo conhecido da grife e de seus clientes, responsável por peças icônicas de temporadas passadas, como o brinco volante de “Jerimum”, que resgatava a estética automobilística dos anos 70 e 90.
Dessa vez, o acessório que deve ser sensação é o brinco que reproduz o rabo de um cavalo.
Na nova coleção, elementos já conhecidos pelos admiradores da marca estiveram presentes: recortes estratégicos, silhuetas assimétricas e uma alfaiataria nada óbvia já são familiares e dão sequência ao que a Misci apresentou no passado.
Os tecidos de algodão e acetinados também não são novidade, e, entre texturas e materiais, o destaque vai para as experimentações de Airon. Reforçando a parceria com a Nova Kaeru, empresa de materiais naturais, o designer trabalhou com uma nova versão do biocouro à base de plantas — o beLEAF, obtido a partir do curtimento das folhas da planta orelha-de-elefante.
Também, se destacaram as peças de látex, produzidas a partir de uma fonte biorenovável da borracha natural da seringueira. O material foi produzido em parceria com quatro cooperativas de seringueiros da Amazônia e do Centro-Oeste, que materializam o resultado das pesquisas de materiais da Misci.
Parcerias, inclusive, fazem parte da estratégia central de Airon Martin. Defensor da construção de uma indústria nacional forte, Martin sabe que não se muda um mercado todo sozinho — é preciso crescer em conjunto.
Por isso, o diretor criativo convidou uma amiga com quem tem uma conexão de alma, como ele mesmo define: Lenny Niemeyer. A empresária trouxe, para a Misci, sua autoridade no mercado de beachwear e cocriou uma linha de vestuário e acessórios que une elementos de ambas as marcas.
Algumas peças da união MisciLenny foram desenvolvidas a partir da palha de buriti, feita por uma comunidade de artesãs do Maranhão.
Mais uma parceria central para o desenvolvimento da coleção foi com o artista Jaime Lauriano, que assinou a tipografia do desfile e bordou, em duas peças, o mapa do Brasil-TendaTripa.
E se experimentação é o que move a Misci e seu criador, idealizar roupas em parceria com uma papelaria não é uma ideia absurda. A collab com a Papelaria Escritório de Design deu o que falar — especialmente, porque a influenciadora Malu Borges escolheu usar uma das peças em sua produção para o desfile. A união resultou em regatas e acessórios de papel criados com perfeição, simbolizando as inúmeras possibilidades alternativas ao couro na produção de bolsas.
No ritmo do funk “tuin”, os modelos andavam pela passarela com os itens da parceria com a Botti, marca paulistana de calçados artesanais de couro. Os sapatos acompanham as tradicionais ferragens da Misci e incorporam não só os materiais da nova coleção, mas também outros que fazem parte da história da etiqueta de Airon, como o couro de pele de pirarucu.
Ao mesmo tempo em que a grife de Airon Martin volta seu olhar para o que conhece — o Brasil e seu povo —, ela pesquisa o novo e experimenta sem medo. Por isso, o desfile Tenda Tripa é um marco para a moda nacional; por meio dele, a etiqueta mostra, na prática, a potência da nossa indústria e prova a capacidade de inovação que acontece quando as marcas se unem.
Para encerrar o desfile — que ninguém queria que terminasse —, uma convidada tão icônica quanto a coleção surpreendeu os convidados. Ivete Sangalo esbanjou simpatia na passarela e concedeu a todos a licença de anunciar: esse foi o desfile mais brasileiro dos últimos tempos!
Que isso!!! Que matéria é essa…!!! Parabéns à autora… impressionante o conteúdo e conhecimento do assunto…