Lúpus: confira o relato de nossa editora Mai Dornelles sobre a doença

Fotos da Mai Dornelles durante o tratamento de Lúpus.

Devido as altas doses de corticóide e a quimioterapia, a jornalista ficava muito inchada e retia muito líquido, ficando com o rostinho assim.

Mai Dornelles hoje em dia, sem corticóide e fazendo o novo tratamento.

26/09/2017 - por We Pick

 As notícias envolvendo as cantoras Selena Gomes – que fez um transplante de rim por causa da doença – e Lady Gaga, que já assumiu ser portadora, reabriram a conversa sobre o assunto. Em parceria com a Lamparina Scope, Mai Dornelles, editora do We Pick, compartilha seu relato. 

“Ainda é engraçado me olhar no espelho com esse novo corte de cabelo bem curtinho. Não consigo deixar de lembrar da última vez que tive meus fios desse tamanho. Foi em meados de 2004, 2005, no auge da minha crise lúpica. Na época, o corte não foi uma escolha, mas sim uma necessidade. Meu cabelo caia tanto com a anemia aguda e a quimioterapia que cortá-lo foi a melhor opção. Hoje, fui eu quem decidi e não a doença. E isso é uma vitória. 

Muitas vezes me esqueço de que tenho lúpus. Minha vida é tão normal. Acordo, vou para o crossfit, volto, trabalho, saio com meus amigos, vou ao cinema, às festas. Quando olho para as minhas grossas e extensas estrias, adquiridas por causa do uso prolongado de altas doses de corticóide, aí sim eu me lembro da doença. Elas me desafiam até hoje no tal do amor próprio. Colocar biquíni é um ato libertador e recente na minha vida. Passei anos sem usar nada acima do joelho. Ainda é um trabalho e um processo de aceitação diários. Elas fazem parte de mim e me lembram tudo pelo que passei. É como tento pensar. Acredito que todas as pessoas que tiveram uma experiência intensa e dolorosa saem dela com alguma marca, igual à personagem Vampira do “X-Men”, que ficou com a mecha branca no cabelo. Lembro de comparações como esta e a vergonha dá espaço ao orgulho de ter essas marcas em mim: mostra que eu venci a morte.

QUANDO DESCOBRI

A crise lúpica aconteceu quando eu tinha 15 anos. Era uma adolescente muito elétrica e tinha atividades de domingo a domingo. Desde pequena sou assim, quero abraçar o mundo. A sobrecarga de atividades diárias estressou meu corpo e desencadeou a primeira crise. Começou com a artrite no dedo, que passou para infecções urinárias constantes. O derrame no miocárdio foi o pior. A dor que eu sentia era terrível e o simples ato de respirar fazia com que meu corpo doesse inteiro. A partir daí, a coisa foi ladeira a baixo. Quase desmaiei durante a apresentação de fim de ano do balé. Era o auge. Minha mãe e meu irmão me levaram ao hospital, lugar que eu iria visitar com frequência a partir deste dia. Foi dada a largada para a caça de um diagnóstico. 

Fui a inúmeros médicos. O lúpus é uma doença misteriosa até nos sintomas porque eles são tantos que podem ser confundidos com muitas outras coisas. A falta de informação das pessoas e dos médicos também não ajuda. Ninguém descobria o que eu tinha e, a cada dia que passava, definhava mais na cama. Fiquei internada e começaram uma bateria de exames. De todos, o da medula óssea foi o que eu mais me lembro, não pela dor, que foi péssima, mas pelo rosto do meu irmão, o único no quarto no momento, quando viu o tamanho da agulha. Quando ele percebeu meu espanto, tentou disfarçar para que eu não ficasse nervosa.

Foram dias sem diagnóstico, três exames de sangue diários e um quadro clínico que só se agravava. Quando penso nesse tempo, lembro do olhar de desespero dos meus pais. Se eu estava sofrendo, eles estavam muito mais. Quinze dias depois, enfim, um diagnóstico. As palavras do médico eram ainda mais assustadoras. Se tivesse demorado mais um dia para descobrir, teria morrido.

“Tive que aprender a me conhecer desde muito nova, porque o lúpus é altamente afetado pelo psicológico”

Por ser mais calmo, meu irmão Rafael foi quem deu a notícia. Minha mãe estava no quarto, enquanto meu pai agilizava a papelada com o plano de saúde para eu iniciar a quimioterapia. Minha primeira reação foi prática: “e agora, como tratar? Quero sair daqui!”.

A LUTA CONTRA O LÚPUS

Foram três anos de batalha árdua. Se não fosse pelo companheirismo do meu namorado da época, que foi uma das bases da pirâmide sólida desse momento, meu ensino médio teria se resumido a isso. Mas não foi fácil. Tive que aprender a me conhecer desde muito nova porque o lúpus é altamente afetado pelo psicológico. Se eu ficava mal, isso refletia instantaneamente nos meus exames. Tive depressão, ansiedade e quis desistir. Sabia que não ia morrer por causa da doença, sempre soube. Mas, durante o tratamento, queria que ela me vencesse. Muitas vezes eu quis morrer. Se não desisti foi pelo amor da minha família, porque sabia que eles não aguentariam.

“Os médicos dizem que sou um ‘case de sucesso’
porque tenho qualidade
de vida e quase não sinto dores”

Lúpus, em latim, significa lobo. Já são 14 anos convivendo com este lobo dentro de mim. Os médicos dizem que sou um “case de sucesso” porque tenho qualidade de vida e quase não sinto dores. Com a quimioterapia em cápsulas, minha vida voltou ao normal. Sou uma pessoa ativa, faço atividade física com frequência e me alimento bem. Tenho certeza de que tudo isso me ajudou muito. Além das dores diárias, a fadiga crônica e a memória fraca são sintomas comuns, mas nunca soube o que é isso desde a crise. A artrite e a dor no peito são o que restaram, mas só os sinto quando estou estressada.

Meu médico insiste em dizer que sou uma garota normal. A única coisa que me diferencia é que, caso pegue uma gripe, por exemplo, demoro mais para me curar do que as outras pessoas por ter a imunidade baixa devido aos remédios que tomo. Posso ser sincera? Graças à consciência que tenho hoje do meu corpo, vejo que as pessoas a minha volta ficam mais doentes do que eu. Quando sei que minha imunidade está baixando, eu paro. Respeito meu corpo, como melhor, durmo mais, repouso. Eu escuto o que ele diz. Essa é a dica que dou para todo mundo, tenha lúpus ou não. Se conheça, se respeite, se cuide. É a chave para driblar qualquer doença na vida.

“Respeito meu corpo, como melhor, durmo mais, repouso.
Eu escuto o que ele diz.Essa é a dica que dou
para todo mundo, tenha lúpus ou não”

Sou case de sucesso e fico grata por isso, mas sei que faço por merecer. Se estou aqui e consegui, outros também conseguem. Essa é a minha mensagem. Dominei o lobo dentro de mim e tenho certeza de que com mais informação ninguém vai precisar passar pelo que passei”.

Mai Dornelles,
jornalista
(@maidornelles)

4 comentários

  1. Francielle disse:

    Obrigada por compartilhar sua história, Mai Dornelles! Falar sobre ajuda a doença e fornecer informações ajudam a quebrar possíveis estereótipos que as pessoas possam ter em relação à pessoa diagnosticada com Lúpus, principalmente quando as manifestações são dermatológicas. Muito sucesso na sua vida!

    1. We Pick disse:

      Oh, Francielle! Obrigada você por esta mensagem linda! Muito sucesso e saúde pra nós, flor! <3

  2. Karla disse:

    Legal compartilhar sua luta. Tb tenho lúpus, descobri aos 17 anos (1995). Fiz transplante renal a 19 anos e, graças a Deus, não me lembro do lúpus na minha vida.

    1. We Pick disse:

      Que banaca, Karla! Que continue assim, com o lobo adormecido! Muita saúde para você!

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